segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

“Afugento qualquer pretensão filosófica...

Que dificulte o trato com as coisas simples.” 


Quando li essa frase de Nélida Piñon,
 tive vontade de ampliá-la, imprimi-la e pendurá-la na parede, 
só não o fiz porque não seria preciso:
 trago esse conceito já aderido na pele e na alma.

Talvez por isso tenha gostado tanto
 do novo livro do David Coimbra, 
Uma História do Mundo, 
que poderia ser considerado um projeto ambicioso, 
não fosse o David um homem consciente
 do tempo em que vive: 
quem, hoje, consegue dedicar-se 
a calhamaços com milhares de páginas? 
A vida exige dinamismo. 
David conseguiu apresentar um panorama histórico 
desde o neandertal até o início
 da civilização moderna em 260 páginas.
E, nessas 260 páginas, 
além de traduzir informações sérias
 para uma linguagem divertida, 
ele conecta passado e presente
 utilizando trechos de Marcel Proust,
 Charles Bukowski e Mario Quintana, 
e ainda faz graça ao explicar
 de onde veio o nome da banda Jethro Tull. David é pop. 
A história do mundo também pode ser. Como?
Simples.
A simplicidade é a principal porta de entrada 
para a sabedoria. 
Dois, três degraus, e a pessoa está dentro.
 Uma vez seduzida, ela então irá decidir
 se deseja se aprofundar no assunto, e aí, lógico,
 irá buscar novos acessos que a façam imergir
 no que lhe interessa, 
e a viagem se tornará ainda mais excitante 
e talvez ininterrupta,
 mas o que a faz iniciar esse percurso
 rumo ao conhecimento é a curiosidade, 
a atração e a identificação com um linguajar 
que estabelece uma agradável comunicação.
O professor Cláudio Moreno faz o mesmo 
com suas crônicas sobre a Grécia Antiga. 
Alain de Botton elimina ao menos seis cabeças do monstro 
de sete que sempre foi a filosofia.
Paulo Leminsky e demais poetas da geração anos 80 
demonstraram que poesia não precisava ser 
necessariamente chata e incompreensível. 
A simplicidade sempre foi um dom,
 apesar de levantar suspeitas.
Os impressionistas (Van Gogh, Monet, Cézanne, entre outros) 
foram inicialmente desprezados pelos críticos da época. 
As primeiras exposições desses artistas 
que hoje são considerados gênios 
se deram no “Salão dos Recusados”. 
Os impressionistas eram assim denominados
 porque pintavam a impressão em detrimento do detalhe. 
E toda impressão pode ser rapidamente 
confundida com impostura.
A simplicidade concentra a verdade das coisas
 – não toda a verdade, mas o seu núcleo, 
um ponto de partida universal, 
de onde tudo poderá se tornar mais abrangente,
 grandiloquente e complexo, à escolha do freguês.
Segundo o filósofo e escritor Eduardo Gianetti, 
muita gente só se impressiona com o que não entende bem. 
Já a simplicidade é direta, translúcida 
e estabelece rápida conexão. 
Para desconsolo dos herméticos.


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